Análise Ao Microscópio Eletrônico De Varreduradas Projeções De Resina ("Tags") Em Dentes Restaurados Após Intervenção Endodôntica
Ao final de um adequado tratamento endodôntico, espera-se que o elemento dental volte a exercer suas funções estéticas e funcionais, fazendo parte integrante do sistema mastigatório. Para que esses objetivos possam ser alcançados, a restauração de sua anatomia coronária assume um caráter primordial, principalmente no que diz respeito à substituição das estruturas removidas durante a terapia endodôntica quando da eliminação de tecido cariado ou de restaurações existentes e da cirurgia de acesso aos canais radiculares.
Nesse particular, PAIVA; ANTONIAZZI9 (1988) salientam que, em dentes anteriores onde houve remoção somente de estrutura dental o suficiente para a abertura cirúrgica necessária à endodontia, esses elementos dentais deveriam ser restaurados com resina composta fotopolimerizável. Nos casos de aberturas coronárias amplas ou quando o dente possui colo cervical estreito, um pino intra-radicular deveria ser associado ao material restaurador com o objetivo de aumentar a resistência contra fratura.
A aplicabilidade desse material é devido principalmente à íntima adesão com as estruturas dentais, que é conseguida clinicamente com o uso da técnica de condicionamento ácido tanto do esmalte como da dentina. Em nível de esmalte, observa-se a formação de poros em forma de crateras. Já em nível de dentina, apesar de o ataque ácido não agir em profundidade, ele modifica a superfície dentinária, que se apresenta rugosa e com a dentina peritubular dissolvida, conforme observam LEE et al.8 (1972) empregando ácido fosfórico e ácido cítrico como agentes descalcificantes.
Essa modificação da superfície dentinária apresentando-se não só com aumento dos túbulos dentinários, mas também com a dentina peritubular desintegrada confere aos canalículos uma forma de funil, por onde haverá um melhor escoamento da resina e a conseqüente formação de projeções ou "tags" de resina, como salientam IWAKU et al.7 (1981) avaliando grupos de dentes vitais, recém-extraídos ou armazenados por determinado período de tempo.
Observa-se ainda que, dependendo do tipo de resina utilizado, pode haver diferenciação quanto a tamanho, forma e número de projeções ou "tags" formados, fato esse observado por SOUZA et al.12 (1988), que constataram diferenciação entre o comprimento dos "tags" não só entre marcas comerciais distintas, mas também dependendo do tipo de ácido fosfórico empregado — em forma de gel ou solução.
Tem-se observado que a associação da técnica de ataque ácido com o uso de condicionadores de dentina ("primer"), adesivos dentinários e resinas fluidas ("bond") permitiu que a resina composta apresentasse menor contração de polimerização, com a formação de uma interface resina/dentina a mais íntima possível, conforme resultados de CHIGIRA et al.4 (1991); BARNES1 (1977).
Procurando relacionar o mecanismo de união resina/dentina, TYAS et al.15 (1988) enfatizam a necessidade do uso de um condicionador dentinário ("primer") que seja tanto hidrofílico como hidrofóbico, para que possa ser "compatível" à dentina e à resina composta, respectivamente.
Outro fator a ser considerado é o modo de aplicação do material restaurador, pois, apesar de se ter como consenso a técnica incremental para inserção da resina composta, conforme CRIM; CHAPMAN5 (1986) e HANSEN; ASMUSSEN6 (1989), a colocação da resina fluida ("bond") ainda merece avaliações, principalmente devido à constante renovação de materiais disponíveis ao profissional.
Diante do exposto, o presente trabalho procurou: a) analisar a formação de "tags" de resina quanto à sua uniformidade e quantidade, variando-se o modo de aplicação e b) avaliar a influência do ataque ácido e do uso de adesivos dentinários nas estruturas a serem restauradas.
Para o presente estudo, foram utilizados 25caninos humanos recentemente extraídos e sem a presença de cáries ou material restaurador. De início, procedeu-se a cirurgia de acesso e o preparo químico-cirúrgico, acorde técnica preconizada por PAIVA; ANTONIAZZI9 (1988), em todos os dentes utilizados. Após irrigação e aspiração com TergentolI -FuracinII e secagem com cânulas e cones de papel absorventes, aplicou-se pequena camada de guta-percha nas imediações da entrada do canal radicular, delimitando a região coronária da radicular. Os dentes foram então agrupados aleatoriamente em 5 grupos experimentais:
- Grupo 1: Realizou-se ataque ácido com ácido ortofosfórico a 37% em forma de gel(Esticid III ), por toda a câmara pulpar, abrangendo as superfícies dentinárias e de esmalte por 1 minuto; apóslavagem com "spray" de ar e água por 15segundos e secagem com ar, aplicou-se "primer" (EDTA IV ) em toda a região condicionada por 30 segundos e, em seguida, adesivo dentinário (Denthesive II V ) durante 15 segundos na superfície dentinária. Através de um pincel, cobriu-se toda a superfície da câmara pulpar com resina fluida (Adhesive Bond VI ) e, através de "spray" de ar, procurou-se obter uma camada fina e homogênea. Polimerizou-se então por 20segundos em cada face dental. Fez-se posteriormente a aplicação da resina composta (CharismaVII ), em porções incrementais polimerizadas por 20segundos, até o completo preenchimento de toda a câmara pulpar.
- Grupos 2 e 3: Como descrito para o Grupo 1, procedeu-se nesses dois grupos ataque ácido (Esticid), aplicação de "primer" (EDTA) e adesivo dentinário (Denthesive II), sendo que, para o Grupo 2, a resina fluida (Adhesive Bond) foi aplicada e homogeneizada com uma bolinha de algodão, recebendo em seguida a resina composta (Charisma). Já no Grupo 3, houve a aplicação da mesma resina fluida com algodão e, imediatamente, preenchimento da câmara pulpar com a resina composta, sendo os dois materiais polimerizados conjuntamente.
- Grupo 4: Fez-se ataque ácido, como descrito para o Grupo 1, porém não se aplicou o "primer" nem adesivo dentinário, sendo a aplicação da resina fluida e da resina composta realizada como descrita para o Grupo 1.
- Grupo 5: Não se procedeu ataque ácido, sendo as demais etapas — "primer", adesivo dentinário, resina fluida e aplicação da resina composta — realizadas como descrito para o Grupo 1.
Removeu-se então a porção radicular abaixo da camada de guta-percha, com o objetivo de facilitar o processo de descalcificação. Para esse processo, os dentes foram imersos por 3 dias em ácido nítrico a 5%, sendo a solução renovada diariamente. Lavou-se em água corrente por 2 horas, eliminando-se resíduos da substância desmineralizadora, e armazenou-se por 2 dias em água destilada. Feito isso, os espécimes permaneceram em hipoclorito de sódio a 5,25% por 2 dias, para remoção das estruturas remanescentes, sofrendo posteriormente lavagem em água corrente e armazenamentopor 24 horas.
Ao término desse processo, obteve-se a total descalcificação da coroa de cada elemento dental, restando somente a resina composta (Charisma*), que foi colocada na câmara pulpar. Esses pequenos espécimes em resina sofreram então desidratação em escala crescente de álcoois e preparo para serem analisados quanto à formação de "tags" de resina, através do microscópio eletrônico de varredura.
Fotomicrografias de 1000 aumentos foram obtidas de cada espécime, as quais foram ordenadas e qualificadas por 3 cirurgiões-dentistas, sem prévio conhecimento do grupo analisado, quanto à uniformidade e/ou quantidade de "tags" observados em cada amostra dos 5 grupos experimentais. Para tanto, os observadores graduaram as amostras segundo a pontuação do Quadro 1.
De posse dos resultados encontrados, podemos afirmar que:
- Houve formação de "tags" ou projeções de resina nos 5 grupos avaliados, havendo maior uniformidade nas amostras do Grupo 3 e maior quantidade nas amostras do Grupo 1.
- O jateamento de ar e o esfregaço com bolinhas de algodão mostraram-se métodos eficazes para aplicação da resina fluida ("bond").
- A ausência de ataque ácido (Grupo 5) ou a não aplicação do sistema de adesão à dentina (Grupo 4) podem prejudicar a formação dos "tags" de resina e, conseqüentemente, diminuir a adesão tanto ao esmalte quanto à dentina.
* Professor Adjunto da Disciplina de Endodontia da UNICID. Pós-graduando, nível de Mestrado, da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.
** Professor Associado da Disciplina de Endodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. Professor Titular de Endodontia da UNICID.
I Tergentol. Laboratório Veafarm Ltda. São Paulo
II Furacin/Solução. Laboratório Eaton do Brasil Ltda. São Paulo.
III Esticid gel. Ácido ortofosfórico 37%. Heraeus Kulzer Gmbh.
IV Primer. Edta (ácido diamino-tetracético 17%). Heraeus Kulzer Gmbh.
V Denthesive II. Heraeus Kulzer Gmbh.
VI Adhesive Bond. Heraeus Kulzer Gmbh.
VII Charisma. Heraeus Kulzer Gmbh.
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